quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Diversos

Em meio a carros de som de políticos, falta de gols do Flamengo e dias quentes e noites chuvosas eu achei um texto bem bacana do Drummond que fala sobre política. O legal é que era de uma coluna dele no Jornal do Brasil (que desde 1º de setembro de 2010 não existe mais como jornal, agora só na internet).
Gostava do Jornal do Brasil, antes dele virar tablóide e ficar uma porcaria o achava mais "politizado" e completo que o Globo. Nos meus tempos de calouro me sentia intelectual ao ler o JB na biblioteca da UFRJ...


Eu vi



Carlos Drummond de Andrade

(Jornal do Brasil, 15/05/80 - Caderno B - Pg. 1)

Vi um homem chorar porque lhe negam o direito de usar três letras do alfabeto para fins políticos. Vi uma mulher beber champanha(*) porque lhe deram esse direito negado ao outro.

Vi um homem rasgar o papel em que estavam escritas as três letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos de suas amadas, na impossibilidade de rasgarem as próprias amadas.

Vi homicídios que não se praticaram mas que foram autênticos homicídios: o gesto no ar, sem conseqüência, testemunhava a intenção. Vi o poder dos dedos. Mesmo sem puxar o gatilho, mesmo sem gatilho a puxar, eles consumaram a morte em pensamento.

Vi a paixão em todas as suas cores. Envolta em diferentes vestes, adornada de complementos distintos, era o mesmo núcleo desesperado, a carne viva;

E vi danças festejando a derrota do adversário, e cantos e fogos. Vi o sentido ambíguo de toda festa. Há sempre uma antifesta ao lado, que não se faz sentir, e dói para dentro.

A política, vi as impurezas da política recobrindo sua pureza teórica. Ou o contrário.. Se ela é jogo, como pode ser pura... Se ela visa o bem geral, por que se nutre de combinações e até de fraudes.

Vi os discursos...


* O projeto de reorganizar o PTB, empreendido por Brizola ainda no exílio, preocupou a ditadura militar. Em maio de 1980, o general Golbery do Couto e Silva, o bruxo do regime, articulando manobra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tira a sigla das mãos de Brizola e a entrega a Yvete Vargas, uma sobrinha distante de Getúlio, recém cooptada pelos militares. Ao ser informado da decisão, Brizola, em lágrimas, rasga uma folha de papel onde estavam as letras PTB e funda o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Ivete comemorou sua "vitória"abrindo uma garrafa de champagne.